Tenho observado, desde que a pandemia foi declarada, a forma como estamos nos comportando diante do isolamento social. Como psicóloga, tenho lidado no meu cotidiano com os enfrentamentos inerentes a esse impasse de escala mundial. É importante ressaltar aqui, antes de qualquer coisa, que eu estou falando de uma camada restrita da sociedade: a que pode ficar em casa de quarentena. Acho que não preciso me estender mais sobre isso, as implicações são implícitas e merecem um texto só para elas.
Enfim, com o tempo, fui percebendo um movimento “parecido” nas pessoas, um certo padrão de ações e reações. Claro, cada um lida com esse acontecimento de uma forma diferente, individual. E longe de mim ser o tipo de psicóloga que estabelece padrões de comportamento, mas existe algo de essencial que está ficando cada vez mais evidente.
PRIMEIRA SEMANA DA QUARENTENA
Estávamos todos um tanto quanto avoados com a situação. Uma sensação de que tínhamos que fazer algo mas, ao mesmo tempo, sem ter a dimensão exata do que estava acontecendo e o que viria mais para frente. Sem saber o que era necessário ser feito. O sentimento geral era: ah, vamos ficar uns dias em casa aí, logo tudo volta ao normal.
Muitos aproveitaram esse momento, que tinha uma cara de “mini-férias”, pra colocar as coisas em ordem na casa, maratonar as séries que estavam lá na lista de favoritos mas que nunca sobrava tempo para assistir, procurar algum curso online para se ocupar nesse período… E os memes. É curiosa a quantidade de memes que tivemos na primeira semana, uma quantidade avassaladora.
Por que estou falando de memes? Pelo seguinte motivo: é inegável a relevância do fato de que nós temos, há muito tempo, expressado e compartilhado nossos sentimentos acerca das vivências coletivas através de memes. Entre a primeira semana e a segunda semana de quarentena, era só o que fazíamos: riamos de memes, compartilhávamos, e isso trazia uma certa leveza para a situação que nem tínhamos entendido direito ainda. Mas já percebíamos o sinal de alerta junto.
Mais para frente retornamos aos memes.
SEGUNDA E TERCEIRA SEMANAS
A coisa começou a ficar séria. Passamos a ter mais informações e, consequentemente,
entender a dimensão do problema. Alguns, ainda sem recursos para lidar com a realidade dos fatos, começaram a expressar esse desconforto por meio de um sentimento de tédio.
Estávamos todos entediados de tanto ficar em casa. Posts e mais posts nas redes sociais, as pessoas ironizando a falta do que fazer. Mas seria tédio mesmo?
Passei a refletir sobre esse tédio todo. Não fazia muito sentido para mim, que não estava exatamente entediada, tendo em vista a continuidade do meu trabalho de maneira remota. Devagar, passei a considerar a possibilidade de ser, na verdade, uma angústia generalizada que estava paralisando as pessoas. Um vazio, um medo sem nome, sem plano. Uma sensação catastrófica de perda de controle de tudo, que tentamos preencher com cursos aleatórios online, ginástica em casa, cozinhando pratos diferentes, reorganizando armários, fazendo vídeos bobos para as redes sociais. Estávamos atarefados, exaustos, mas classificamos essa falta de rumo como tédio.
Esse tédio tinha muito a conotação de não saber o que fazer, mas não era com as 24 horas do dia. Era com a vida. E disso vem a explosão afetiva: a ansiedade da incerteza. Na terceira semana a sensação era de caos, falta de sentido, dor, pânico.Os memes foram diminuindo. Já não tinha tanta graça, já não tinha tanto sentido. Já não sabíamos mais onde enfiar o que sentíamos, já tínhamos tentado enfiar em toda aquela produtividade vazia. Então, esse “tédio” teve que ser encarado. Tivemos que encarar a verdade e o que vinha com ela: o que realmente estávamos sentindo diante de tudo e diante de nós mesmos.
QUARTA SEMANA
Um misto de não saber o que fazer com precisar fazer alguma coisa. Rotinas domésticas começaram a ser melhor estabelecidas, mas ainda preservando o pensamento: “isso é temporário, mas o tempo vai ser maior do que eu esperava”. Decisões começaram a ser tomadas, ponderações sobre várias áreas da vida começaram a ser feitas. A saudade de amigos e familiares começou a apertar de verdade. A constatação de que, realmente, a vida mudou e talvez nós sejamos impotentes quanto a isso. Uma melancolia, um luto, um movimento de despedida da vida que levávamos, mas meio sem destino.
Memes? Nada além do que já tínhamos visto.
QUINTA SEMANA DE PANDEMIA
Percebi um movimento diferente, uma dinâmica diferente. Eu inclusa: só nessa quinta semana que decidi (consegui) organizar um espaço de trabalho mais confortável, uma rotina melhor estruturada de limpar a casa e cozinhar, entre outras coisas. Compreendi que isso era o grande sintoma de que essa nova vida estava começando a ficar real, se estabelecendo. Toda a movimentação passa a ser voltada para tornar essa nova vida possível.
E AGORA NOS RESTA PERGUNTAR: COMO SERÃO AS PRÓXIMAS SEMANAS?
Eu não sei. Ninguém sabe, mas parece que não tem outro caminho a não ser aceitar essa nova realidade, fazer o que está ao nosso alcance, tentar trazer algum tipo de conforto para essa nossa nova vida, respirar fundo e seguir. A progressão continua e olhar cronologicamente para esse passado recente nos faz capazes de projetar as próximas mudanças e aceitá-las melhor.
Mas sim, tudo é muito difícil. Dói em vários níveis para as diferentes realidades que
compõem a nossa sociedade, e a metamorfose vai ser – e está sendo – cruel em muitos
sentidos.
A única certeza que tenho agora é que temos duas opções:
Parece reducionista, eu sei. Beira quase o absurdo falar assim, soa como se não dissesse nada realmente. Mas a situação é toda absurda. Então é isso que a gente tem pra hoje. Análises absurdas, mudanças absurdas, possibilidades absurdas: mas, no final das contas, abraçar o absurdo é a coisa mais racional que podemos fazer diante de tudo isso, agora.
O futuro sempre foi incerto, mas a gente brincava de não enxergar isso.
Agora, na marra, precisamos enxergar.
O que está ao seu alcance?
Ficar em casa, se puder. Lavar as mãos.